quinta-feira, 22 de março de 2012

ÚLTIMO OUTONO

A pesar do fim de agosto e de todas as folhas mortas caídas
E ainda assim o início da primavera e o começo de setembro
Ainda não me vejo pronta para renascer.

Algo ficou nesse entremezzo, algo que não sei
Que se quebrou, que busco e não encontro.
Folhas perdidas ao acaso, que nunca voltarão.

Frondosa fora outrora, com folhas e flores fartas.
Hoje me resumo a esse caule seco e esturricado
A essa falta e insuficiência de tudo.

Antes admirada, agora não me resta quase nada
A não ser esse tempo que não cessa
Que se resume nessa ida sem volta
A esse tempo, inesgotável, inexorável e imprevisível
Da qual fez-se a minha altivez de antes

De toda aquela glória
De toda aquela admiração dos passantes da rodovia.
O que houve com toda aquela glória dantes?
E o que é glória diante de ti tempo?
O efêmero é o que já se foi e não volta mais

É a verdade desse último outono que me resta
Tanto quanto essa certeza
De que não mais serei frondosa
Plena, admirável e ilusoriamente eterna.

Tempo, tempo, tempo.
Porque passastes por aqui e me tirastes a glória?
Serás real ou imaginário?
Serás concreto ou abstrato?
De que serás feito tu, tempo?

Por mais que o mensuremos
Eres fugidío e arisco
Cruel e implacável.

Enquanto estou aqui perdendo
O que me resta de ti Tempo
Tu, Tempo, se faz a todo instante.

Me foges por todas as frestas
Por todas as gretas
Por tudo o que pulsa.

E quando tudo finda
Tu te fazes tempo?
O que acontece enquanto isso?

Que tempo terão os mortos?
O tempo da decomposição?
E depois disso?
O que fazes tu, tempo?

Existes ou resistes?
Dependes de algo, tu, tempo?

Essa coisa toda de ser
Enquanto tempo
Essa ida sem volta
Isso que já foi e que já não é mais.

Tempo.

Ao piscar meus olhos tu te fazes tempo
Num bocejo
Numa espera
Numa espreita.

Tempo, tempo, tempo.

Na cara do ator
Que já não pode interpretar o mocinho
Tu te fazes tempo.

Nos que vão correr atrás do tempo
Noutros que possuem seu próprio tempo
Ainda assim
Ainda há quem diga que existe tempo pra tudo.

Em quantos, tu, te desdobras, tempo?
Há tempo pra ti?
O que fazes com teu tempo?

Cansei
Tentei roubar-te com todas essas perguntas
Mas ao final constato que só perdi.
Tempo.

Que questionamentos haverás de ter tu, tempo?
Que fazes com teu tempo livre, tempo?
E com tuas horas vagas?
Todos o dias fazes a tua cesta, tempo?